Jornal “Hospital Público” | Com grande ligação à comunidade, Laboratório de Genética do CHTMAD renova certificação de qualidade e prevê vir assegurar a realização de técnicas de PMA
Incidindo na citogenética e na genética molecular, à semelhança de um grande centro.
Integrando na unidade de Genética do CHTMAD, o Laboratório de Genética viu renovada a certificação de qualidade no final de junho de 2022. O passo seguinte desta estrutura, que mantém grande ligação à comunidade, nomeadamente, recebendo alunos do ensino secundário e da universidade, é iniciar a realização de técnicas de procriação medicamente.assistida. “São raros os laboratórios de genética que se inserem em hospitais afastados dos grandes centros e esta região teve um grande benefício com a criação deste laboratório”, começa por referir Rosário Pinto Leite, bióloga especialista em Genética Humana e responsável pela sua criação e direção.
É no 1.º piso do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real que se encontra o Laboratório de Genética, numa área próxima da Consulta Externa de Ginecologia e Obstetrícia. Está integrado na Unidade de Genética e, de forma mais lata, no Centro de Gestão da Mulher e Criança do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Rosário Pinto Leite recorda-se de ter recebido o convite para participar na criação de um núcleo de diagnóstico pré-natal em Vila Real, quando trabalhava no Centro de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães (CGMJM), no Porto. O objetivo era “evitar que as mulheres da região de Trás-os-Montes tivessem de se deslocar ao Porto para fazer o seu diagnóstico pré-natal, principalmente a amniocentese, que exigia repouso a seguir, numa altura em que o próprio CGMJM começava a ficar sobrelotado”.
A equipa da Unidade de Genética começou a formar-se em 1998, três anos antes da inauguração, que se verificaria em novembro de 2021, sob a direção de Eufémia Ribeiro, a “grande impulsionadora da sua criação”. Durante esse período, foram sendo adquiridos os equipamentos necessários – ecógrafos, microscópios, camas, estufas de incubação de CO2, e câmaras de fluxo laminar.
Rosário Pinto Leite ficou, desde logo, dedicada ao então denominado Laboratório de Citogenética (por se cingir a esse ramo da Genética), e Eufémia Ribeiro e Osvaldo Moutinho, ginecologistas e geneticistas, à componente clínica. Márcia Martins, pediatra e geneticista, juntou-se para dar apoio à Consulta de Aconselhamento Genético. O hospital tinha também contratado dois médicos tarefeiros, para colaborarem na realização de ecografias, de forma semanal.
Atualmente, a Unidade é composta por duas geneticistas clínicas, cinco biólogas e sete obstetras.
Com a necessidade de responder à área da Hemato-Oncologia e, principalmente, da Oncologia, a equipa do Laboratório começou a trabalhar na genética molecular, o que motivou a alteração do nome para Laboratório de Genética.
Osvaldo Moutinho, 66 anos, natural de Marco de Canaveses, é quem dirige o Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, desde 2007, e o próprio Centro de Gestão da Mulher e Criança, desde 2016, no qual aquele está integrado e que inclui igualmente o Centro de Diagnóstico Pré-Natal e a Unidade de Genética, esta última constituída pela Consulta de Genética e o Laboratório de Genética.
O médico destaca o facto de o CHTMAD ser, neste momento, a única instituição pública da zona norte do país, fora dos grandes centros, a ter uma Unidade deste tipo. “Todas as outras estão impossibilitadas de analisar, a nível laboratorial, exames como amniocenteses, biópsias das vilosidades coriónicas e pedidos de cariótipos a nível interno, sendo obrigadas a recorrer a outras entidades, maioritariamente privadas”.
Esta valência serve o nordeste de Portugal, permitindo que os utentes ali se dirijam para ter consultas de Genética e fazer exames.” As ecocardiografias fetais e as ecografias do primeiro e segundo trimestres das grávidas seguidas nos cuidados primários que residam no distrito de Vila Real e nas zonas de Bragança e de Penafiel são realizadas aqui, por sete obstetras dedicados a esta área do diagnóstico pré-natal”, explica Osvaldo Moutinho.
“Há uns anos, num congresso organizado pelo CHVNG/E, o nosso CH distinguiu-se por ser aquele que na região norte tinha mais malformações e cromossomopatias diagnosticadas numa casuística de cinco anos, o que atesta os bons resultados”, sublinha Osvaldo Moutinho.
O nosso interlocutor realça ainda a capacidade do laboratório para realizar técnicas específicas, como a hibridação in situ fluorescente, conhecida como FISH, “quando há urgência, pela aproximação da data limite da interrupção médica da gravidez, em excluir a presença de alterações cromossómicas numéricas mais frequentes”. Adianta também que, recentemente, foi iniciada a pesquisa de DNA fetal em sangue materno, uma técnica “sem risco para o feto, realizada em muito poucos hospitais a nível nacional, com resultados em cerca de 10 dias”.
Rosário Pinto Leite avança que o diagnóstico pré-natal é a área que está no topo de prioridades do Laboratório de Genética, na medida em que, perante uma gravidez de risco, é necessário proceder ao estudo por amniocentese e, “verificando-se que o feto será portador de determinada anomalia e avançando-se para a interrupção médica da gravidez, esta deve ser feita o mais precocemente possível, antecedida pela consulta de aconselhamento genético”.
Procede-se ainda ao estudo genético dos produtos de abortamento, para identificar se existe alguma alteração cromossómica e, dessa forma, melhor esclarecer o casal para eventuais riscos em futuras gravidezes. No âmbito pós-natal, refere o papel do Laboratório, em particular junto de casais com história de abortamentos de repetição, e saindo da esfera de genética, a análise citomorfobioquímica do sémen, pedida na consulta de apoio à fertilidade.
Osvaldo Moutinho acrescenta que, no âmbito do diagnóstico pré-natal, tendo o Laboratório de Genética já realizado, no passado, inseminações artificiais homólogas, o objetivo, a título futuro, é efetuar todas as técnicas de procriação medicamente assistida. “Temos o processo de certificação praticamente completo, para podermos assumir a direção do Centro de Apoio à Fertilidade, onde se irão realizar as técnicas de PMA”, refere.
“Eu ainda sou do tempo em que a extração molecular de DNA demorava dois dias. Agora temos um kit para extração do DNA e um Kit para identificar mutações KRAS/NRAS e chegar ao resultado, num total de 4 horas”, observa Rosário Pinto Leite.
Rosário Pinto Leite reconhece que o Laboratório de Genética deu um enorme passo quando, em 2005, começou a estudar geneticamente as doenças hemato-oncológicas. “Enquanto nas áreas de diagnóstico pré-natal e pós-natal, estávamos completamente estabelecidos, para conseguirmos intervir nesse campo tivemos de fazer formação”, refere.
No caso da Hemato-oncologia, salienta que a intervenção da equipa “é uma mais-valia para a orientação terapêutica dos doentes”. Quando o Laboratório começou a funcionar nesta área, eram estudadas quatro a cinco leucemias por mês. Com o envelhecimento da população, ao longo do tempo, esse número passou a existir de forma semanal e, atualmente, representa a atividade diária.
Neste âmbito, a responsável do Laboratório nota que o evento da genética molecular veio dar resposta a muitas situações, porque estuda os genes, enquanto na área da citogenética são estudados os cromossomas.
“Se, por um lado, a citogenética nos permite ver a estrutura de uma forma major, a genética molecular vem dar-nos uma visão minor”, sublinha Rosário Pinto Leite. Ainda assim, ressalva que “não há ainda nenhuma técnica alternativa à citogenética capaz de dar tão ampla visão”, acreditando que, “durante os próximos anos, essa técnica ainda terá um papel importante, até que surjam outras na área molecular capazes de ultrapassar as limitações que esta apresenta quanto à resolução e tempo de resposta”.
“Perante a inauguração do Centro Oncológico do CHTMAD, em 2007, e a solicitação dos oncologistas para identificarmos mutações do cancro colorretal, sentimos necessidade de nos adequar à evolução técnica e científica”, contextualiza. Para a profissional, esse avanço se tecnicamente foi “fácil, considerando que a citogenética é manual e não há equipamento capaz de fazer as culturas celulares e o procedimento para a obtenção e análise dos cromossomas; na genética molecular, há kits específicos disponíveis, consoante a pesquisa que se pretende fazer, e muita automatização. Contudo, enaltece que “a análise e interpretação dos resultados foi e continua a ser desafiante”. Foi um grande passo do laboratório e uma nova área de diagnóstico.
Rosário Pinto Leite destaca como outro acontecimento relevante, o investimento no Next-Generation Sequencing, ou seja, a Sequenciação de Nova Geração, que “surgiu como consequência de começar a trabalhar na genética molecular”. E nora que “há soluções de diagnóstico que implicam a colocação de equipamentos contra-consumo de kits específicos”. Neste caso, o método foi aplicado para os cancros colorretal – o mais predominante na região- pulmão, da mama e ovário, entre outos, e para o estudo do cancro hereditário.
A bióloga adianta que, todas as semanas, a equipa realiza NGS e fala numa forte pressão, dado que “quanto mais cedo a resposta existir, mais precocemente o doente inicia a terapia adequada ao perfil genético do tumor”. Este ano, foi ainda introduzida uma nova técnica que identifica variantes do gene DPYD, o que é “uma mais-valia, considerando que os doentes que tiverem determinadas variantes neste gene vão reagir mal à quimioterapia, tendo de se adequar a dose”.
Promover a saúde e sensibilizar colegas e alunos para o estudo genético.
“Na área oncológica, todos os anos estão a surgir fármacos importantes e é uma obrigação moral nossa contribuir para que os doentes acedam a essas terapias”, reconhece a responsável pelo Laboratório de Genética.
Rosário Pinto Leite afirma que, desde inicio, houve a grande preocupação de conseguir “ser um agente promotor de saúde e consciencializar os médicos de família para a existência do Centro de Diagnóstico Pré-Natal, prática que se mantém”.
Também desde 2001 que recebem alunos do ensino secundário inseridos no projeto “Ciência Viva no Laboratório, Criar Futuro”, que visa “a divulgação da genética e a sensibilização dos alunos para a sua importância”. A bióloga adianta que os alunos passam uma semana no Laboratório de Genética, período em que “aprendem a saber estar num local onde se trabalha com amostras humanas com todas as implicações que daí advém”.
Aposta-se ainda numa forte cooperação com as universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro, Porto e Coimbra, recebendo alunos de mestrado dos cursos de Genética, Biologia, Bioquímica e Veterinária, para estágios de nove meses. “A experiência é muito enriquecedora para os alunos, ao aprenderem a trabalhar num laboratório, com os cuidados, as responsabilidades e os aspetos éticos e sigilosos inerentes, independentemente do maior ou menor trabalho de investigação que realizem”, assegura Rosário Pinto Leite.
“A Genética está presente em tudo. Agora, vamos ampliar a nossa resposta, utilizando NGS na área das cardiomiopatias”, avança Rosário Pinto Leite.
E destaca o esforço que é feito para que “saiam da experiência preparados para atuar na área do diagnóstico”, adiantando serem vários os casos de quem por ali passou e desenvolve, hoje em dia, essa atividade em Portugal, bem como no estrangeiro, nomeadamente Espanha e Inglaterra. Ao mesmo tempo, esta experiência “garante a atualização constante de conhecimentos da equipa”.
São recebidos igualmente para estágios voluntários de 3 meses, para além de visitas de estudo, quer de alunos do secundário, quer de licenciatura. “Tentamos ser um laboratório ligado à comunidade porque, enquanto bióloga de formação, acredito que é muito importante que os mais jovens tenham a perceção do que é a genética e a sua aplicabilidade, e este laboratório é um bom exemplo” reforça.
A experiência dos estágios estende-se também aos internos de Ginecologia/Obstetrícia e de Hematologia, dado que a Unidade de Genética detém idoneidade formativa desde 2008. “Conseguimos reunir as condições de um Laboratório dos grandes centros, com as componentes da citogenética e da genética molecular, e garantir uma elevada resposta”, observa, falando do “orgulho que a equipa sente do trabalho que tem feito, e que tem representado uma mais-valia para o CHTMAD e para a região”. A própria renovação, em junho de 2022, da certificação do Laboratório de Genética, pela norma ISO 9001:2015, que remonta a dezembro de 2018 e que “poucos laboratórios detêm, vem atestar este trabalho”.
Osvaldo Moutinho adianta que, na área do Diagnóstico Pré-Natal, concretamente, existem reuniões mensais em que participam obstetras, geneticistas clínicos, biólogos e pediatras, para “discutir os novos casos e a evolução dos que estão em seguimento”.
Quanto ao reconhecimento da atividade por parte da instituição, Rosário Pinto Leite destaca “o apoio completo por parte do Conselho de Administração face aos desafios propostos”. Osvaldo Moutinho realça ainda a procura que recebem por parte dos colegas internistas, oncologistas, cardiologistas, pediatras, cirurgiões e psiquiatras, o que “é demonstrativo do seu reconhecimento”. Além disso, “a própria iniciativa para a criação desta Unidade partiu de um cirurgião geral, que tinha plena consciência da sua importância na estrutura hospitalar”.
A investigação é outra área central da Unidade de Genética, adiantando Rosário Pinto Leite que a publicação de trabalhos e a sua apresentação em congressos é uma preocupação constante. Osvaldo Moutinho afirma mesmo que esta é “uma aposta que se amplia ao próprio CHTMAD, sendo esse frequentemente aquele que mais publicações reúne em congressos, a nível nacional”.
O Centro de Diagnóstico Pré-Natal do CHTMAD foi incumbido de organizar, em 2023, a próxima edição da Reunião Científica da Associação Portuguesa de Diagnóstico Pré-Natal 2023, que terá lugar em Vila Real, nos dias 29 e 30 de setembro.
Atividade
2019 | 2021
Amostras para análise por citogenética clássica: 565 | 542
Amostras para análise por citogenética molecular: 805 | 1195
Amostras para análise por genética molecular: 1099 | 1424
Total: 2469 | 3161
Ecografia 1.º trimestre: 1312 | 1469
Ecografia 2.º trimestre: 1307 | 1640
Ecografia 3.º trimestre: 634 | 677
DNA fetal: 0 | 14
Ecografia desenvolvimento: 699 | 990
Ecografia para fluxometria: 359 | 789
Ecocardiografia fetal: 95 | 166
Rosário Pinto Leite, responsável pelo Laboratório de Genética:
“Aqui, podemos marcar a diferença e beneficiar a população da zona”
Rosário Pinto Leite nasceu a 15 de dezembro de 1961, no Peso da Régua. O seu gosto pela Biologia levou-a a frequentar esse curso, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Ao longo desse período de cinco anos, teve “a sorte de ter um grande impulsionador da Genética em Portugal, o Professor Doutor Amândio Tavares, como professor”, o que a levou a perceber que aquela era a área que queria seguir.
O 3.º ano de curso coincidiu com a inauguração do Centro de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães (CGMJM), em 1980, o que a levou a questionar a instituição quanto à possibilidade de integrar a equipa. “Responderam-me que teria de ter uma média de curso de pelo menos 14 valores, e eu que, na altura, tinha atividades paralelas, como a prática de vólei, tive de me dedicar a ter boas notas”, refere.
Durante dois anos, dedicou-se à investigação, integrando-se na equipa da Leonor Parreira e Maria Carmo-Fonseca, o que recorda como “uma experiência muito enriquecedora”, tendo regressado ao Porto para fazer o Mestrado em Genética. Fez a tese de Mestrado no CGMJM e, nesse ano, venceu um prémio atribuído pelo Centro.
Em 1998, foi convidada a formar, juntamente com Eufémia Ribeiro, o Centro de Genética do CHTMAD e, durante os dois anos que antecederam a sua inauguração, foi professora convidada na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Em 2013, já enquanto responsável pelo Laboratório de Genética do CHTMAD, realizou o doutoramento. “Aqui, podemos marcar a diferença e beneficiar a população da zona”, responde, quando questionada sobre a experiência de trabalhar no Laboratório de Genética do CHTMAD e dirigi-lo.
Mãe de duas filhas e avó de três netos, integra ainda as direções da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, da Sociedade Europeia de Citogenética e da Ordem dos Biólogos Delegação Regional Norte.
Rita Castanheira, presidente do CA do CHTMAD:
“A Genética é essencial para o diagnóstico e para a tomada de decisão terapêutica”
Quando questionada sobre o papel do Laboratório de Genética e, de forma mais ampliada, da Unidade de Genética, no ambiente hospitalar, Rita Castanheira destaca que “apesar de desenvolver um trabalho que, muitas vezes, não se vê, a Genética é uma área essencial para o diagnóstico e para a tomada de decisão terapêutica pelos médicos”.
A presidente do Conselho de Administração do CH reconhece que essa é “uma área que envolve um trabalho muito especializado e que, em articulação com as diferentes áreas do saber, contribui para que este CH possa oferecer os melhores cuidados de saúde aos seus utentes”.
No fundo, “a Genética representa, também, a diferenciação e o desenvolvimento que queremos para o CHTMAD”.